terça-feira, 17 de maio de 2011

A guerra às drogas mostrou-se ineficiente.

A Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia produziu um relatório, liberado em abril, após 18 meses de debates, no qual conclui que a maconha é a droga ilícita com menor potencial nocivo à saúde. O documento, que deve ser entregue ao governo em julho, propõe uma forma alternativa de combate ao problema, visto que “alcançar um mundo sem drogas revelou-se um objetivo ilusório”.
A instituição, formada por especialistas de diversas áreas, como saúde, direito, jornalismo, segurança pública, atletas, movimentos sociais, entre outras, pede que se realize um “debate franco” sobre o tema e que seja discutida a regulação da produção da maconha para consumo próprio e a descriminalização do seu uso. O relatório cita ainda os exemplos de Espanha, Holanda e Portugal, que adotaram medidas semelhantes às indicadas pela Comissão.
A CartaCapital conversou sobre o relatório com o presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Comissão Brasileira sobre Drogas e Democracia, o médico Paulo Gadelha, que defende a “despenalização” do usuário, ou seja, ainda há o crime, mas sem prisão como punição.

CartaCapital: O relatório propõe uma nova abordagem no combate às drogas. Qual seria a maneira mais adequada de lidar com o problema?
Paulo Gadelha: Uma constatação internacional é que a idéia da guerra às drogas como tema central do enfrentamento do problema se mostrou ineficiente. O que chamamos atenção é que, sem descuidar de aspectos importantes, como o campo da segurança, é preciso dar ênfase à abordagem pelo prisma da saúde pública. Há uma maneira de se aproximar do problema que não diferencia quem é o usuário, que tem sobre si os danos e as possibilidades de afetar a sua saúde, e o processo de produção e comercialização associado ao tráfico. A confusão entre esses dois aspectos gera muitas distorções. Ao lidar com evidências científicas para aferir quais são os danos à saúde, tanto das drogas lícitas quanto das ilícitas, é possível ter esse processo como uma referencia para educação, informação e capacitação das pessoas. Desta forma, estas podem estar em condições de, ao lidar com o risco, amenizar os danos à sua saúde. Se não tivermos uma nova abordagem vamos deixar de lidar com a questão central, que é cuidar e permitir que as pessoas tenham a preservação da sua saúde. A maneira como as drogas ilícitas são abordadas cria barreiras, tabus e descriminação a quem procura tratamento. Quando se tem essa forma de penalização criminal, a própria pessoa que precisa de ajuda sente-se tolida e com dificuldades de colocar o seu problema em um espaço público.

CC: Como o senhor acredita que a descriminalização ajudaria no combate ao tráfico e crime?
PG: Lidamos com a questão de três maneiras diferentes. Uma coisa é a descriminalização, a despenalização e a legalização. Não está sendo proposto legalizar as drogas ilícitas, estas continuarão sendo ilegais, mas a comissão pede a despenalização. Continua sendo crime, mas não há o aprisionamento para o usuário, que se submeteria ao tratamento e a penas alternativas. Essa diferença é importante, o que é difícil transmitir para a população. A Comissão tem uma postura muito clara de que o tráfico, circuito de armas e a dominação de território deveriam ter suas penas agravadas. Radicalização ao trafico, mas tratar o usuário sob outros parâmetros.

CC: Como o senhor avalia a lei antidrogas brasileira em vigor?
PG: A lei antidrogas tem aspectos que são importantes e avançam com relação ao passado, mas gera também ambiguidades. Diz que o usuário tem uma forma diferenciada de ser tratado, mas não especifica o que é considerado uso ou tráfico em termos de quantidade. Na medida em que não há essa normatização, tudo que for apreendido em flagrante com qualquer pessoa fica sob o arbítrio das autoridades judiciárias e policiais. Estas vão determinar se o que se está portando é para uso próprio ou tráfico. Com isso, cria-se uma distorção imensa na forma de abordar o problema. Isto leva a um efeito, percebido por pesquisas, que coloca nas prisões réus primários, encarcerados portando pequenas quantidades de droga e sem relação com o tráfico, que acabam sendo iniciados no crime pela prisão.

CC: A maconha é vista como a droga ilícita com efeitos menos prejudiciais à saúde. Mas isso não significa que o seu consumo não faça mal. Quais problemas o uso desta substância pode causar? É possível fazer uma comparação entre os danos causados pelo álcool e a maconha?
PG: A maconha tem riscos à saúde, podendo exacerbar surtos psicóticos e alterar o ponto de vista comportamental. As drogas lícitas também apresentam efeitos danosos significativos, como o alcoolismo, problema central hoje no Brasil. O país lidera o ranking de consumo de álcool nas Américas, com aproximadamente 18% da população que usa a substância em excesso. O álcool traz problemas de memória, cardiovasculares, afeta a socialização e aumenta o risco de violência sofrida ou cometida.

CC: O senhor acredita que a descriminalização poderia incentivar o consumo da maconha, ou campanhas de educação como as do cigarro seriam suficientes para evitar que isso aconteça?
PG: As experiências internacionais são diversas, em Portugal houve redução do consumo, ao contrário da Holanda. Não podemos ter uma relação automática e simplista entre a descriminalização e a redução. Não se trata de jogar toda a ênfase na criminalização, falamos de uma abordagem ampla, que envolve questões ligadas à educação, informação sobre as drogas e como o sistema de saúde acolhe o dependente. Não é uma bala mágica, isolada, é uma política em geral que inclui também o combate ao tráfico.
CC: A Comissão cita o exemplo de países que descriminalizaram o uso da maconha, como Portugal e Espanha. Porém, estes locais adotaram políticas de apoio ao usuário, para evitar danos a sua saúde, como tratamentos psicológicos e de desintoxicação. O Brasil teria condições de oferecer e manter esses serviços?
PG: É preciso enfatizar que essas condições têm que ser construídas já. O Ministério da Saúde está com muita clareza em relação à necessidade do Sistema Único de Saúde em oferecer de maneira acolhedora esse tratamento, que está muito aquém da nossa necessidade atual. O fato dessa necessidade no sistema de saúde independe da descriminalização, pois as pessoas estão precisando de tratamento agora.

CC: No caso da produção para consumo, como controlá-la e evitar que não seja destinada ao comércio?
PG: A lei prevê a produção para consumo, mas não estabelece ou limita a quantidade que seria compatível, logo, essas definições são necessárias. Mas é evidente que alguém que planta para consumo não o faz em atacado.

Gabriel Bonis - da Carta Capital

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